quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Nova África

Conceição Oliveira/Reprodução
Meninas Macua da Ilha de Moçambique fotografadas por Conceição Oliveira
Thais Bilenky
Nesta quarta, 23, no Rio de Janeiro, a TV Brasil lança a série "Nova África", que entra na programação a partir do dia 25 de setembro, às 22h. Co-autora do projeto editorial que venceu o edital da rede pública, ao lado do jornalista Luiz Carlos Azenha, a historiadora Conceição Oliveira descreve o projeto:
- A série vai representar o continente africano sem aquele olhar folclorizado, de "continente da barbárie, o continente que não deu certo". O programa procura fugir de estereótipos.
Conceição explica que, visitando cerca de 40 países africanos, em grande parte por terra, a produção dá espaço a vozes em geral menosprezadas. "A intenção é escutar os próprios africanos de diferentes estratos sociais. Trabalhadores, mulheres, homens, escritores, políticos... Mas nós não chegamos com o discurso pronto".
A historiadora participou da captação e pré-produção dos três primeiros programas, gravados em Moçambique. Ela relata que a equipe se deparou com situações inusitadas que revelam a resistência diária da população africana.
"Um sábado de manhã, estávamos deixando a ilha de Moçambique de carro, um longo percurso. A gente demorou para ver, debaixo de um cajueiro, um monte de guris e uma professora entregando material escolar. Os meninos se assustaram, saíram correndo. Depois conhecemos a professora Diamantina. Ela dá aulas para 350 meninos, em um povoado no interior da Gambésia. A professora Diamantina faz uma diferença imensa, só tem ela", conta Conceição.
Essa história é uma das que compõem a série, que terá 26 programas, com 2 blocos de aproximadamente 13 minutos cada, em parceria com a produtora Baboon Filmes.
Outra história, continua Conceição, é a do senhor Germano. Sozinho, ele é o responsável pela produção de barcos em Queliman, no Zambézia, nas proximidades do Rio Bons Sinais. Sem energia elétrica, com ajuda do filho, ele demora quatro meses para fabricar um barco. "São muito importantes, são os únicos que fazem na região", impressiona-se Conceição.
Para a historiadora, que produz também material didático, é muito importante trazer à luz, no Brasil, essa visão, segundo Conceição, menos viciada da África. O continente foi dominado pelo impreialismo, mas o verdadeiro agente de sua história são, inegavelmente, os próprios africanos e é isso que a série pretende evocar, diz.
A equipe de produção está agora no Congo, após ter passado pela Bélgica, justamente para compreender o Congo belga. Vão na sequência para Ruanda e Burandi.
Na África do Sul, a questão central a ser tratada é a distribuição de terras depois do apartheid. "Passados quinze anos, os negros conseguiram território?", questiona a historiadora. O segundo foco no país será a imigração. Diz Conceição que há cerca de 5 milhões de africanos de países fronteiriços vivendo na África do Sul. O desemprego está próximo a 25% da população e o resultado acaba sendo a xenofobia, lamenta.
Outras questões pululam. As línguas oficias versus as locais compõem a identidade das populações e, para a autora do projeto de "Nova África", demonstram a resistência africana. Para informações complementares a equipe da série prepara um blog, em breve no ar.
Terra Magazine

http://www.youtube.com/watch?v=ChSchKkrn3Q

domingo, 13 de setembro de 2009

Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir?!

"Dora Maar au Chat", Pablo Picasso
“A dominação dos homens sobre as mulheres e o direito masculino de acesso sexual regular a elas estão em questão na formulação do pacto original. O contrato social é uma história de liberdade; o contrato sexual é uma história de sujeição. O contrato original cria ambas, a liberdade e a dominação. (...) A liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e depende do direito patriarcal”.
Com essas palavras, Carole Pateman apresenta com grande força persuasiva a obra O Contrato Sexual. Segundo a autora, o contrato sexual é a parte da história não revelada, pois toda liberdade civil é uma liberdade civil patriarcal fundada na dominação masculina sobre a feminina. Uma vez que a sociedade civil é constituída por duas esferas, apenas a esfera pública tornou-se objeto de estudo, já que a outra, a privada, não sendo encarada como politicamente relevante – como o casamento e o contrato matrimonial permaneceu escondida.
Rousseau (1712-1778), em O Contrato Social, expõe “O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui”. "Seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer uma lei auto-imposta é liberdade". A liberdade, dessa forma, é um direito e um dever ao mesmo tempo. A liberdade pertence ao homem (nao a mulher, no raciocíonio de Pateman) e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem. Nesse sentido, uma de suas conhecidas idéias, a do “homem bom” ou do “bom selvagem”, que vivia no estado natural e depois corrompido pela sociedade, num certo sentido parte de uma contradição, já que a sociedade é justamente formada por esses mesmos “homens bons”. (Paul Gauggin, Nave Moe, ao lado)
Rousseau, lembra a autora, apesar de não defender a escravidão, como o fez Aristóteles, acreditava que uma esposa infiel dissolve a família e quebra todos os laços naturais. Ao dar ao homem um filho que não seja seu, ela trai a ambos: alia a perfídia à infidelidade. A pesquisa de Pateman, sobre o contrato sexual, me fez lembrar Robert Stan, em Crítica da imagem eurocêntrica, quando este aponta que os filósofos europeus tinham ideias bem antiesclarecidas. Vejamos. John Locke (1632-1704) dizia que os indígenas deveriam ser classificados como as crianças, os idiotas e os ignorantes. Já para David Hume (1711-1776) os negros eram naturalmente inferiores aos brancos. Karl Marx (1818-1883) afirmava que as sociedades pré-capitalistas viviam em uma temporalidade histórica condenada e estavam destinadas a desaparecer diante do capitalismo e Comte pensava a história humana desenvolvia em estágios universais e previsíveis. Enquanto que Immanuel Kant (1724-1804) duvidava da capacidade intelectual dos negros e George W. F. Hegel (1770-1831), que nada saiba da África, argumentava que aquele continente nos forçava a abandonar a própria categoria de universalidade “A África não faz parte da história do mundo...” Ou seja, a julgar pelo “pensamento clássico” está na hora de aprofundar uma revisão mais ampla da história oficial, principalmente Ocidental. Como finaliza Carole “Os homens que, supostamente, fazem o contrato original, são homens brancos, e seu pacto fraterno tem três aspectos: o contrato social, o contrato sexual e o contrato da escravidão, que legitima o domínio dos brancos sobre os negros”. De outro modo: Homem Público! mulher pública?
Como feiúra em virtude não é vantagem, é defeito, aconselho reler novamente os "clássicos literários" Iracema, A Escrava Isaura e A hora da estrela para não ter dúvida das mentiras que ainda nos pregam. Assim, entenderemos melhor Caetano... “Você diz a verdade, a verdade é o seu dom de iludir, como pode querer que a mulher vá viver sem mentir...”.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Democracia, exclusão e sustentabilidade

As sociedades contemporâneas encontram-se num dilema, em razão da globalização econômica e da mundialização das culturas, geradoras de um movimento que conecta o nacional ao hegemônico internacional. A democracia do capital, ou sistema de capital cracia (poder em grego), insurge-se contra qualquer fronteira que ameace a livre movimentação dos lucros. Com isso, nem os limites nacionais dos países de capitalismo hegemônico disponibilizam mecanismos de controle interno de suas democracias. Porém, vem crescendo, em discurso, a importância das práticas sustentáveis como caminho para garantia de um mundo melhor. Melhor pra quem?
A fragilidade dos limites entre nacional e mundial das sociedades contemporâneas expõe ao mundo a variedade de trocas simbólicas que constitui a cultura. O crescente número de migrações entre países revela uma legião de pessoas, atraídas pelo consumo, ofertas de emprego e promessas de liberdade "oferecidas" pelos países mais ricos economicamente. Além disso, mostra a extensão das carências, perspectivas e ambições da população pobre do mundo. O vai e vem de pessoas e a luta por um green card passa ser um problema para os Estados. Tanto os Estados não conseguem deter a entrada de imigrantes quanto outros não conseguem inibir a saída de sua população insatisfeita.
Nos países ricos, os levantes de imigração ameaçam desestabilizar, a todo o tempo, tanto a moral nacional quanto o quadro de emprego, por exemplo. Enquanto isso, os países em desenvolvimento enfrentam o problema de terem que incorporar a lógica global do sistema financeiro sem terem conseguido criar condições sociais, econômicas e políticas de participação efetiva do cidadão nos espaços coletivos, quando muito, consolidaram um capitalismo industrial.
O descompasso entre as políticas públicas econômicas, culturais e sociais das nações entre si aumentam a distância entre as nações mundiais ao recriar, constantemente, estratégias de superação dos entraves desta nova fase do capitalismo mundial. Uma vez que a globalização da força de trabalho - e, em consequência, da miséria - fragilizou os conceitos e práticas de cidadania e etnia, a transformação do cidadão em consumidor buscou igualar as diferenças existentes incrustadas nas vitrines, tornando a temática da identidade cultural uma opção de consumo e estilo.
Nesta direção, as novas configurações do Estado moderno têm propiciado, considerando as peculiaridades de cada caso, um fortalecimento de movimentos de contestação que passam pela afirmação da diferença, calcados em políticas de identidade e políticas do corpo como principal bandeira. Visto de outra maneira, o enfraquecimento do Estado moderno, se assim o considerarmos, pode ser comparado a novas estratégias de controle de uma sociedade globalizada que precisa incluir a diferença para que ela não se apresente como uma ameaça constante. Se por um lado temos que incluir os excluídos, por outro temos que promover a sustentabilidade.
Essa inclusão do outro, do diferente, tem se materializado em todas aquelas práticas assistencialistas, vestidas de políticas públicas, que promovem a curto prazo, e quem sabe a médio prazo, todas as boas ações sociais voltadas para minimizar os danos causados tanto pelo assédio do consumismo desenfreado, quanto pelo abandono, de vez, da dignidade da vida humana. Nesse sentido, o debate sobre sustentabilidade, que tem sido divulgada midiaticamente como capacidade de "suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas", torna-se de fato crucial uma vez que se quisermos minimizar os impactos das democracias contemporâneas devemos resolver eficientemente a primeira parte deste conceito, ou seja, "suprir as necessidades da geração presente", caso contrário estaremos bem distantes de compreendermos não apenas o discurso da sustentabilidade como também de criar práticas sustentáveis convicentes para aqueles que possuem, hoje, uma vida insustentável.






domingo, 6 de setembro de 2009

Para não esquecer a independência - o atualíssimo Maquiavel


O Príncipe – Nicolau Maquiavel (1513-1516)
A arte da política
De Ângela Ro Rô a Stálin, passando por Napoleão Bonaparte, Delfim Neto, FHC, Collor e uma série de políticos. Todos estes são ou foram unânimes em afirmar que tiveram um dia o livro "O Príncipe", do filósofo de Florença, Nicolau Maquiavel (1469-1527), como livro de cabeceira. No caso de Collor, sua esposa na época, Rosane Collor (por onde anda?) cuidou de dizer que o presidente era seguidor das ideias maquiavélicas. Quis fazer uma homenagem ao marido... Enfim, esta é a obra mais famosa do autor que tenta ensinar como tomar e se manter no poder. Aliás, bem útil nos dias de hoje.
Publicada postumamente em 1532 este é considerado um dos tratados mais influentes no posterior desenvolvimento da teoria ou ciência política. Redigido em 1513, só foi publicado, cinco anos após a morte do autor. Além do interesse histórico, constitui um instigante exemplo da prosa escrita italiana do século XVI. Já Maquiavel, consequentemente, é considerado o 'pai' da ciência política, e seus textos são estudados e analisados em escolas e universidades de todo o mundo.
Nasceu numa Itália dividida em pequenos Estados conflitantes entre si, o que os tornavam vulneráveis aos ataques de conquistadores estrangeiros. "A obra foi escrita no exílio forçado quando privado de sua posição de funcionário da república de Florença". Além disso a obra é um marco da Ciência Social que instaura uma nova ordem de conduta em que as ações e instituições políticas são julgadas sem um recurso moral, isto é, religioso. Maquiavel propõe a libertação do Estado dos mandamentos da Igreja ao estabelecer o modelo da Roma republicana, ou seja, um triunfo da razão do Estado.
A obra reflete seus conhecimentos da arte política dos antigos, bem como dos estadistas de seu tempo, e expressa claramente a mentalidade da época. Formulando uma série de conselhos ao príncipe, o autor expôs uma norma de ação autoritária, no interesse do Estado. Deste modo, Maquiavel ilustrou a política renascentista de constituição de Estados fortes, com a superação da fragmentação do poder, que caracterizara a idade média, bem como na pauta do pensamento Ocidental as bases políticas da Modernidade.
Composto por uma dedicatória a Lourenço de Médici (imagem ao lado) e 26 capítulos que utilizam exemplos históricos de alternância de poder da época em que viveu o autor, o livro nos oferece com nitidez os conselhos para o sucesso político que, com certeza, tem sido muito útil no Senado. Assim, o objeto é o Estado real, capaz de impor a ordem dentro da ordem efetiva dos fatos. Maquiavel lança seu olhar para a realidade, sobre a qual se deve trabalhar para transformar.
Ao longo de 26 capítulos Maquiavel define as características de um príncipe, entendida essa figura como a cabeça ou chefe do Estado. Apesar de na essência constituir um estudo a respeito da organização estatal, Maquiavel chegou a pensar inicialmente no título O principado. As teses desenvolvidas fizeram com que prevalecesse a identificação dos conceitos Estado e príncipe, na medida que existe entre ambos uma certa relação de subordinação, privilegiando o alto dignatário antes que a entidade política. Essa é a principal idéia postulada na obra: deve ser o príncipe que, com sua atuação, modela a essência de seu principado.
Sua posição em relação à natureza humana é contundente: os homens são ingratos, volúveis e ávidos por lucro (Cap. XVIII), e o conflito, é inerente à política, assim faz-se necessário, custe o que custar, uma "ordem instaurar". Ele aponta a presença na sociedade de duas forças opostas: uma que quer dominar e a outra que não quer ser dominada (Cap. IX). Assim, neste contexto, o político deve impor a estabilidade das relações e a correlação das forças. E agir, produzindo os efeitos que levarão a uma reação do adversário mas o objetivo é sempre a vitória.
Governante, para ele, não é o mais forte é aquele que considera que os fins justificam os meios, é aquele que mantém o domínio adquirido e, para seu próprio bem - ou bens - o respeito dos governados. Para ele o horizonte ético inexiste pois um príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra dada quando lher for prejudicial e as razões que o fizeram dar a palavra não mais existirem.
Não é à toa que o adjetivo "maquiavélico" tornou-se equivalente a diabólico já que o autor apregoa que o príncipe deve "parecer" clemente, leal, humano, íntegro, religioso e deve sê-lo. Mas deve estar com o espírito pronto para que, "precisando não ter essas qualidades", possa a saiba assumir o contrário. É dele também a máxima que norteia nosso atual marketing político, que os príncipes devem deixar que outros administrem as decisões impopulares, mantendo para si os atos de graça.
Mas nada se compara às orientações dadas no XXV capítulo quando se analisa o quanto que uma herança e uma fortuna podem auxiliar no exercício do poder: "É melhor ser impetuoso do que cauteloso; porque a sorte é mulher e é necessário, para subjulgá-la, espancá-la e surrá-la”. Em suma, com certeza, na mesa de cabeceira da Simone de Bouvair, tal exemplar só esteve por engano. Diário de Princesa, nem por engano...

Novos Dédalus

Em dias chuvosos ou em noites estreladas...No outono, ou na mesa de um bar... No engarrafamento...sozinho na multidão...a cidade nos vence, e nos deixa assim abandonados de si...e mesmo com a promessa de novas ágoras (?) de consumo, com o lançamento de mais um shopping neoclássico, olímpico(?), continuaremos (di) vagando entre seus labirintos pós-modernos e, o que é pior, sem o fio de Ariadne!! Com sua “pós-arquitetura”, medida inexata de uma elegância supérflua, eis a vidinha burguesa sempre pronta pra ser chique! Pra se repetir! E só!! Mas vale ir além. Vejam só, Richard Rogers, em Cidades para um pequeno planeta, propõe algumas reflexões para as cidades sustentáveis:- Uma cidade justa, onde justiça, alimentação, abrigo, educação, saúde e esperança sejam distribuídos de forma justa e onde todas as pessoas participem da administração;- Uma cidade bonita, onde arte, arquitetura e paisagem incendeiem a imaginação e toquem o espírito;- Uma cidade criativa, onde uma visão aberta e experimentação mobilizam todo seu potencial de recursos humanos e permitam uma rápida resposta à mudança;- Uma cidade ecológica, que miniminize seu impacto ecológico, onde a paisagem e a área construída estejam equilibradas e onde os edifícios e a infra-estrutura sejam seguros e eficientes em termos de recursos;- Uma cidade fácil, onde o âmbito público encoraje a comunidade à mobilidade, e onde a informação seja trocada tanto pessoalmente quanto eletronicamente;- Uma cidade compacta e policêntrica, que proteja a área rural, concentre e integre comunidades nos bairros e maximize a proximidade;- Uma cidade diversificada, onde uma ampla gama de atividades diferentes gerem vitalidade, inspiração e acalentem uma vida pública essencial.Uma cidade sustentável é aquela que permite o fortalecimento da cidadania, podemos dizer, com participação do cidadão e das lideranças. Para que a população participe nas tomadas de decisão o ambiente construído deve ser o primeiro a favorecer garantias tão básicas quanto necessárias, sendo verdadeiramente possível a realização dos direitos humanos. Devemos, então, começar a observar com mais cuidado a arquitetura das cidades como parte do projeto de novos Dédalus e de suas raízes sempre excludentes!!