domingo, 16 de maio de 2010

Manual do bom conservador

Marcelo Coelho - Folha São Pualo, 28/04/2010
COMECEI depressa a ler o livro, que é curto, mas perdi a coragem de continuar. Só depois de uma pausa consegui retomá-lo. Foi escrito por José de Alencar nos anos 1867-68 e nunca mais foi republicado. Reaparece agora em edição de bolso, à venda até em bancas de jornal. E devia ser leitura obrigatória no currículo do secundário, tal a sua capacidade de sintetizar a mentalidade brasileira no que tem de mais conservador, de mais atrasado, de mais duro. Trata-se das "Cartas a Favor da Escravidão" (editora Hedra), que o célebre romancista endereçou, sob pseudônimo, ao imperador dom Pedro 2º. É sempre fácil, sem dúvida, acusar de insensibilidade e falta de lucidez um texto escrito em outra época. Mas o que mais importa é ver de que modo o livro de José de Alencar expressa hábitos de pensamento que, até hoje, fazem parte do arsenal reacionário. Veja, por exemplo, a crítica de Alencar às pressões de países como Inglaterra e França para que acabasse a escravidão por aqui. Como assim?, pergunta Alencar. Que direito têm as potências estrangeiras de interferir num assunto brasileiro? Filantropia e indignação moral são expedientes hipócritas dos europeus. De resto, não temos culpa pela escravidão. "Não fomos nós, povos americanos, que importamos o negro da África para derrubar matas e laborar a terra; mas aqueles que hoje nos lançam o apodo e o estigma por causa do trabalho escravo." Alencar continua: "O filantropo europeu, entre a fumaça do bom tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias humanitárias (...) Em sua teoria, a bebida aromática, a especiaria, o açúcar e o delicioso tabaco são o sangue e a medula do escravo. Não obstante, ele os saboreia". É típico. Nossa inocência está sempre fora de dúvida. Não se pode exigir de um país tão "jovem" que assuma responsabilidade pelo que faz. O fim da escravidão, diz Alencar, virá a seu tempo. Ainda é cedo para querer isso no Brasil. "A raça africana tem apenas três séculos e meio de cativeiro. Qual foi a raça europeia que fez nesse prazo curto a sua educação?" Sim, porque a escravidão educa o negro. É nessa "escola de trabalho e sofrimento" que um povo "adquire a têmpera necessária para conquistar o seu direito e usar dele". Cabe considerar também, diz Alencar, que esse processo educativo é mais lento no Brasil do que, por exemplo, no norte dos Estados Unidos. Lá, graças ao espírito industrioso dos anglo-saxões, o negro rapidamente se transformou num "operário ao qual só faltava o espírito do lucro". Mas nós, brasileiros, somos diferentes. "A raça latina é sobretudo artística (...) Outros elementos, que não o cômodo e o útil, impelem o caráter ardente dessa família do gênero humano: ela aspira sobretudo ao belo e ao ideal." Como diz a ótima introdução do historiador Tâmis Parron, deve-se fazer uma justiça a José de Alencar: ele não compactua com as teses da época sobre a inferioridade racial dos negros. O problema, como sempre, é "de educação", "despreparo". Mantenha-se, portanto, a escravidão. Aliás, de que escravidão exatamente se está falando? "Um espírito de tolerância e generosidade, próprio do caráter brasileiro, desde muito transforma sensivelmente a instituição. Pode-se afirmar que não temos já a verdadeira escravidão, porém um simples usufruto da liberdade." As relações entre senhor e escravo "adoçaram" por aqui, diz Alencar, repetindo várias vezes o verbo que faria tanto sucesso na obra de Gilberto Freyre. Seja como for, o escravismo é uma "instituição". E "as instituições dos povos são coisa santa, digna de toda veneração. Nenhum utopista, seja ele um gênio, tem o direito de profaná-las". Senhores utopistas, fiquem avisados. O que se pretende, ilusoriamente, em nome do progresso, dos direitos humanos etc., contradiz a realidade social. Transformá-la, ainda mais tão cedo, é uma insensatez. Há de preferir-se a realidade, é claro. Desde que se esteja do lado certo do chicote.

domingo, 9 de maio de 2010

Amor como Direito

Pietà, Miguel Ângelo, 1499
Algum filósofo disse que em geral, as mães, mais que amar os filhos, amam-se nos filhos. Não precisa de muito esforço para entender a frase. O amor como extensão genuína da maternidade materializa-se no filho. Poder amar o filho é um direito que não precisou ser inventado, mas teve que ser protegido. Não é para menos. No Brasil não existem dados oficiais nacionais que apontem o número de crianças desaparecidas. A Secretaria Especial de Direitos Humanos, desde 2002, constituiu uma rede nacional de identificação e localização de crianças e adolescentes desaparecidos, com o objetivo de criar e articular serviços especializados de atendimento ao público bem como de coordenar um esforço coletivo e de âmbito nacional para busca e localização dos desaparecidos. A Associação Brasileira de Defesa de Crianças Desaparecidas (ABCD), Mães da Sé, fundada em1986, informa que existe uma média de 60 casos de desaparecimento de pessoas não registradas na capital paulista e 18mil todos os anos em São Paulo.
Se o desaparecimento pode ocorrer por causa de conflitos domésticos, motivação familiar, como aponta o site, também há casos de desaparecimentos forçados sendo que agora a questão é política. Em 2006 a Organização das Nações Unidas aprovou a Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, que o Brasil ratificou ano passado. O artigo II considera desaparecimento forçado a privação da liberdade de uma ou mais pessoas, por qualquer forma, cometida por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com a autorização, com o apoio ou com a anuência do Estado, seguida da falta de informação ou da negativa de se reconhecer dita privação da liberdade ou de se informar o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes.
Mais de 50 mil casos de desaparecimentos forçados ou involuntários já ocorreram desde 1980, segundo informações da própria ONU. O filme História Oficial, premiado com melhor Oscar de filme estrangeiro em 1986, do argentino Luiz Puenzo, aborda a questão com maestria sobre o drama das mães de desaparecidos políticos da Praça de Maio. O desaparecimento de um filho mergulha a mãe e toda a família num pesadelo infinito. O pleno direito deste amor deixa claro a afirmação que se tudo é incerto no mundo, o amor de mãe transforma essa angustia em esperança. Esperança de outro mundo possível e melhor.

terça-feira, 4 de maio de 2010

DOC - Raça Humana

Raça Humana
Documentário revela bastidores das cotas raciais na UnBO país do orgulho da miscigenação, apregoado por Gilberto Freire e Darcy Ribeiro, se deparou há alguns anos com uma questão espinhosa: a adoção de cotas raciais nas universidades. Se falar de racismo no Brasil já era tabu, falar de cotas, então, se transformou num daqueles temas sobre os quais é melhor nem iniciar conversa. A menos que estejamos em um grupo onde todos são favoráveis ou todos contrários. Aí, sim, dá para desabafar os inconformismos, de um lado e de outro
http://www.camara.gov.br/internet/tvcamara/default.asp?selecao=MAT&materia=100406&velocidade=56k&nomeArquivo=tvcaraçahumana20100303-001-wm.56.wmv